Trabalho escravo no Brasil de hoje
Remanescentes da senzalaLuciano Siqueira
Publicado no Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online)
A convivência, nem sempre pacífica, entre progresso e permanências conservadoras marca a sociedade brasileira em toda a sua evolução. É o que, em plano macro, se tem chamado de rupturas inconclusas, de que a superação do regime militar, em 1985, vem a ser o exemplo mais recente.
Aqui ocorrem transições longas, sinuosas, sujeitas a idas e vindas, em que o novo guerreia muito para, enfim, superar o velho, que resiste e não desaparece completamente.
Assim se compreende a persistência de resquícios do regime escravista, seja na esfera cultural, seja na prática concreta das relações sociais de trabalho.
Estudo recém-divulgado da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre o trabalho escravo no Brasil nos dias que correm, feito em combinação com o governo brasileiro, traz revelações importantes. Nele, desenha-se o perfil dos atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil: as vítimas, os intermediários e os empregadores.
O conceito de trabalho escravo contemporâneo se aplica a situações em que o trabalho ou serviço exigido de uma pessoa se dá “sob ameaça de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente. Além de estar relacionado a baixos salários e más condições de trabalho, inclui uma situação de cerceamento da liberdade dos trabalhadores".
Segundo o estudo, o trabalhador submetido a relações de trabalho consideradas de escravidão é homem, negro, analfabeto funcional, tem idade média de 31,4 anos e renda declarada mensal de 1,3 salário mínimo. A grande maioria, 77%, nasceu no Nordeste. Já os empregadores são homens, brancos, com idade média de 47,1 anos. A maioria nasceu na Região Sudeste e tem ensino superior completo. E o fenômeno se concentra em áreas do Pará, de Mato Grosso, da Bahia e de Goiás.
Um fragmento expressivo do mapa das desigualdades sociais e regionais e da exclusão social em nosso país.
Até hoje, desde que em 1995 se iniciou o combate ao trabalho escravo pelo governo federal, mais de 40 mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados dessa situação, em geral labutando na pecuária e no setor sucroalcooleiro. E, no caso do trabalho infantil – parcela significativa -, as condições de trabalho se mostram infinitamente mais desumanas.
O combate a esse remanescente da senzala se dá basicamente em duas frentes. A principal é a promoção do desenvolvimento econômico em bases socialmente progressistas, ou seja, com distribuição de renda e valorização do trabalho. A outra, é a fiscalização direta do governo, através dos grupos móveis que atuam nas áreas identificadas como foco – que ainda é insuficiente e esbarra em obstáculos importantes, entre os quais a legislação frágil, que leva na prática à impunidade. A PEC que prevê a expropriação da terra em que for comprovada a exploração de trabalho escravo, tramita no Congresso Nacional há mais de 6 anos à espera de votação, sob quase sigilo da grande mídia e lamentável indiferença da opinião pública.
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